Último autocarro

sábado, 19 de janeiro de 2008

Consolo, Edvard Munch

Meia-noite. Último autocarro. O gelo paira no ar do breu nocturno, alumiando penitencionsamente cada imundo resto do meu corpo afogado num mar de arrependimento. Último autocarro. Fito trémula minhas mãos queixosas e alheias à necessidade de suportar o estóico castigo que a mim mesma me imponho. Treme igualmente a minha consciência, e por isso me castigo. Último autocarro. Vem aí. Entro? Não, não posso ceder. Mereço sofrer. A purificação dos meus pecados exige que me funda com a noite. Só aí terei paz. Último autocarro. Parou. Entrei.
Para onde vai? Não sei, não interessa. Vou, não vou ficar. Isso basta. Último autocarro. Duas pessoas. Eu e o motorista velho, seco pelo Verão, erodido pelas chuvas invernosas, tal como o autocarro. São um só. Último autocarro e uma pessoa, então. Eu. Só.


 
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