“Digo-vos com toda a solenidade que foram muitas as vezes que tentei tornar-me num insecto. Mas nem sequer disso estive à altura. Juro, senhores, que estar demasiado consciente é uma doença.”
“Porque será que nos momentos, sim, nos precisos momentos em que teria maior capacidade de sentir todo o requinte daquilo que é sublime e belo acontece-me, quase por destino, não apenas sentir mas fazer coisas tão feias que... bem, resumindo, acções que talvez todos cometamos mas que, quase de propósito, me aconteceram na altura exacta em que tinha perfeita consciência de que não deviam ter sido executadas. (...) Mas a questão principal era que que tudo isto não era, de certo modo, acidental em mim, era como se estivesse destinado a acontecer. Era como se fosse o meu estado mais normal, não sendo de todo doença ou perversão. (...) Mas antes, no início, não imaginam as agonias que passei nessa luta! Não acreditava que acontecia o mesmo às outras pessoas e por isso, durante toda a vida, escondi esse facto sobre mim como um segredo. Sentia vergonha (talvez ainda sinta)... ”
“O desejo básico e malicioso de descarregar essa maldade no seu agressor talvez se faça sentir de forma ainda mais apurada [no homem de consciência] do que no que no homme de la nature et de la verité. (...) Chegamos, por fim, à acção em si, ao próprio acto de vingança. Para além desta malícia fundamental, o azarado rato [o homem de consciência] consegue criar à sua volta tantas outras malícias sob a forma de dúvidas e questões, junta à questão principal tantas outras questões por responder que, inevitavelmente, gera à sua volta uma espécie de fermentação fatal (...) composta pelas suas dúvidas e emoções e pelo desprezo que os homens de acção espontâneos lhe cospem para cima (...).
Lá, na sua casa horrorosa, malcheirosa e subterrânea, o nosso rato insultado, esmagado e ridicularizado fica imediatamente imerso numa fria, maligna e, acima de tudo, duradoura maldade. Ao longo [dos] anos, irá recordar-se do seu ferimento até aos mais ínfimos e mais ignominiosos pormenores; e, cada vez que o recorda, juntar-lhe-á, por si mesmo, pormenores ainda mais ignominiosos, escarnecendo-se e atormentando-se maliciamente com a sua própria imaginação. Ele próprio ficará envergonhado dos seus devaneios, mas ainda assim recordar-se-á de tudo, passará em revista, uma e outra vez, cada pormenor, inventará coisas inauditas contra si, fingindo que tais coisas poderão acontecer, e nada perdoará. Talvez também comece mesmo a vingar-se mas, por assim dizer, de forma esporádica, de maneiras triviais (...), não acreditando quer no seu próprio direito à vingança, quer no sucesso dessa vingança, sabendo que, apesar de todos os esforços de vingança, irá sofrer cem vezes mais do que aquele de quem se vinga, enquanto o outro, atrevo-me a dizer, nem com um arranhão ficará. No leito de morte, recordará tudo novamente, com os juros acumulados ao longo desses anos todos...”
FÉDOR DOSTOIEVSKI, Notas do Submundo.
Numa palavra: Genial